Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9317/18.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM CORREIA GOMES
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DA CONTA
HONORÁRIOS
DESPESAS
Nº do Documento: RP202012169317/18.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O interessado em reclamar da conta de honorários e despesas do agente de execução cível, tanto pode ter um interesse direto, quando for o responsável por esse pagamento, como um interesse indireto, por quem de modo diferido pode vir a suportar esse mesmo pagamento.
II - Na determinação da remuneração adicional do agente de execução deve aferir-se, em concreto, se a sua atividade processual integrou e destacou-se no contexto da estratégia para a obtenção da quantia exequenda, revelando meios idóneos para a obtenção dos resultados a favor do exequente, mesmo que tenha sido catalisadora ou impulso (nudge) de uma transação ou desistência, conferindo integridade e consistência a esse prémio retributivo.
III - Daí que seja sempre exigível um nexo de causalidade entre os serviços prestados pelo agente de execução e os proveitos da execução, avaliando-se a relevância ação/resultado e analisando-se o correspondente custo/benefício, de modo a justificar a parte variável dos seus honorários.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 9317/18.7T8PRT.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes;
Adjuntos; António Paulo Vasconcelos, Filipe Caroço
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. No processo n.º 9317.18T8PRT do Juízo Execução do Porto, J4, da Comarca do Porto, em que são:

Recorrente/Executada: B…

Agente de Execução: C…

Recorrida/Exequente: D…, SA

foi proferida decisão em 03/jun./2020, no qual se decidiu o seguinte:
“Pelo exposto, por ilegitimidade e por falta de fundamento, indefiro o requerimento de reclamação da conta/nota discriminativa.”
1.1 O E…, S.A. instaurou em 21/abr./2018 uma ação executiva contra F… e B…, com base numa livrança datada de 19/jul./2005, vencida em 16/fev./2018, no montante de €1.036.087,79.
1.2. Por despacho proferido em 23/jul./2018 foi admitida a prestação de caução apresentada pela executada/embargante B…, mediante garantia bancária no valor de €1.305.589,22, ficando as custas a cargo da requerente/executada.
1.3. Por despacho proferido em 07/jul./2018 a referida caução foi julgada validamente prestada.
1.4. No decurso da ação executiva e na sequência do despacho proferido em 07/out./2019 foi reconhecida a habilitação da D…, S.A. mediante cessão do crédito do E…, S.A.
1.5. A D…, S.A. veio em 06/mai./2020 desistir do pedido executivo.
1.6. A Agente de Execução veio em 07/mai./2020 apresentar o apuramento de responsabilidades/nota discriminativa, indicando ser-lhe devido um total de €52.813,17, sendo €42.673,06 respeitante a valor recuperado ou garantido antes da 1.ª penhora.
1.7. Por despacho proferido em 11/mai./2020 foi decidido o seguinte:
“Por apenso à respetiva execução, veio a aqui executada deduzir os presentes embargos.
Sucede que, entretanto, após a sentença proferida nestes embargos, como se retira dos autos, a exequente veio desistir da execução e do pedido executivo, o que é válido e relevante, estando já na fase de extinção a execução, como foi pedido/acordado pelas partes.
No caso vertente, aquando da junção da desistência do pedido executivo, a sentença aqui já proferida ainda não tinha transitado em julgado, pelo que é considerar tal desistência ainda tempestiva e eficaz.
Conclui-se, pois, que se tornou inútil/impossível a continuação dos presentes autos, dado já não subsistir o litígio e a instância sobre os quais versavam os embargos, impondo-se a sua extinção.
Pelo exposto, ao abrigo do preceituado no art.º 277.º, al. e), do CPC, declaro extinta a presente instância de embargos de executado por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide.
Atenta a desistência do pedido executivo e o acordo das partes, por impossibilidade/inutilidade/desistência, julgo ainda prejudicada e extinta a instância de recurso aqui pendente.
Custas pela embargada/exequente e como acordado - cfr. os arts. 536.º, n.º 3, e 537.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Notifique e registe.
Comunique de imediato à Sra. AE.
Oportunamente, arquive estes autos, dando-se a devida baixa.
DN.”
1.8. A executada a seguir identificada veio, entretanto, apresentar o seguinte requerimento:
“B… nos autos de prestação de caução, à margem referenciados, em que é requerido E…, S.A., vem, em face do requerimento de desistência do pedido com referência nº. ………, apresentado pela Exequente nos autos principais, e do requerimento com a referência nº. ………, apresentado pelas partes no apenso de Embargos de Executado, requerer a V. Exa. se digne a ordenar a imediata devolução do original da garantia bancária nº. GAR/………, prestada a favor do tribunal”
1.9. A Agente de Execução veio em 12/mai./2020 informar o seguinte:
“C…, Agente de Execução nos presentes autos tendo sido notificada do douto despacho de 11-05-2020, nos autos do apenso de Caução, Proc. nº 9317/18.7T8PRT-B, referência 414080175 vem, junto de Vª. Exa. informar que, as custas ainda não se mostram pagas.”
1.10. A referida executada veio em 13/mai./2020 apresentar reclamação da nota de honorários e despesas apresentada pela Agente de Execução, invocando o disposto no artigo 50.º, n.º 5, alínea a), da Portaria nº. 282/2013, de 29 de Agosto (item 6.º), o seu preâmbulo (item 9.º), assim como jurisprudência desta Relação (itens 12.º; 15.º, 20.º), sustentando essencialmente o seguinte:
1.º A Agente de Execução solicita o pagamento do montante total de €52.813,17, a título de despesas e honorários de agente de execução, dos quais €42.937,54, a título de remuneração variável, alegadamente, devido pelo valor garantido nos autos.
2.º A Executada não se pode conformar com a pretensão formulada, porquanto a mesma é desprovida de qualquer fundamento legal, Senão vejamos,
3.º Após concretização da citação e consequente apresentação de oposição mediante Embargos de Executado, antes de qualquer penhora, a Executada procedeu à apresentação de requerimento de prestação de caução.
4.º Mediante tal requerimento, a Executada ofereceu-se para entregar uma garantia bancária no valor de €1.305.589,22, o que veio a ser admitido por despacho proferido nos autos em 2018.07.23.
5.º Nesta senda, após a efectiva apresentação da garantia bancária, foi proferida sentença que julgou a caução como validamente prestada, o que originou a suspensão da execução contra si intentada.
7.º Contudo, inversamente ao que a Agente de Execução pretende fazer crer, o direito à remuneração adicional em virtude da caução prestada pela Executada encontra-se dependente do seu efectivo contributo na recuperação ou garantia da quantia exequenda.
8.º Com efeito, a ratio legis da norma em apreço é premiar a eficácia e eficiência do agente de execução na recuperação ou garantia dos créditos cujo pagamento é peticionado.
10.º Deste modo, será forçoso concluir que a remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha ocorrido na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução,
11.º Não sendo devida nas situações, como a que a se verifica nos presentes autos, em que a Executada voluntariamente garantiu a dívida exequenda.
13.º Na verdade, tal como resulta dos autos, a Agente de Execução limitou-se a proceder à citação da Executada, não realizando quaisquer diligências de penhora que possam fundamentar o direito à remuneração variável peticionada.
14.º Para que tal se verificasse sempre seria de exigir a existência de um nexo de causalidade entre as diligências realizadas pela Agente de Execução e a prestação de caução por parte da Executada, o que in casu não se verifica.
16.º Entendimento contrário, levaria a que a Executada fosse forçada a proceder ao pagamento à Agente de Execução de um montante manifestamente desproporcional à sua reduzida intervenção nos autos.
17.º Por outro lado, a causa de extinção dos presentes autos foi a desistência pela Exequente do pedido formulado, pelo que nenhum valor foi pago no âmbito destes autos, o que corresponde formalmente ao reconhecimento da inexistência do direito a que se arrogava.
18.º Assim, extinguindo-se o processo sem que tenha ocorrido qualquer pagamento, nem tendo a agente de execução concorrido para a prestação da garantia bancária nos autos, não se compreende como pode arrogar-se no direito ao pagamento de qualquer remuneração adicional.
19.º E muito menos a que vem exigir, calculada tendo por referência a totalidade da quantia exequenda!!
21.º Não obstante, em 2020.05.07, veio a Agente de Execução apresentar requerimento aos autos a pugnar para que não seja admitida a devolução do original da Garantia Bancária, sem que se mostrem liquidados os seus honorários.
22.º Para tanto, alega que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas do agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.
23.º Desconsidera, porém, que a Garantia Bancária entregue como caução, destina-se, única e exclusivamente, a garantir a quantia exequenda peticionada nos autos pela Exequente.
24.º Com efeito e contrariamente ao que resulta do requerimento a que ora se responde, não poderá a aludida Garantia Bancária ser acionada para pagamento dos montantes devidos título de despesas e honorários de agente de execução,
25.º E, muito menos, da remuneração adicional, manifestamente, desajustada e ilicitamente calculada e peticionada pela Agente de Execução.
26.º Sem prescindir, sempre dirá que a manutenção da Garantia Bancária importa pesados prejuízos à Executada, porquanto se vê obrigada a proceder ao pagamento ao Banco G… de avultadas comissões pela emissão e manutenção da mesma,
27.º Prejuízos esses que, inevitavelmente, aumentaram com um eventual acionamento da mesma.
28.º Deste modo, com a sua infundada oposição ao cancelamento e devolução da Garantia Bancária, a Agente de Execução está a contribuir para o aumento dos custos suportados pela Executada e causando-lhe com isso danos.
1.9. A Agente de Execução veio em 03/jun./2020 responder a esta reclamação, terminando do seguinte modo:
“17. Entende a aqui Agente de Execução ser devido o valor correspondente ao êxito; Senão vejamos,
18. Qual seria a aplicabilidade da Portaria, no que concerne ao êxito pela recuperação antes da realização de penhoras (sublinhado nosso), se entendermos que a intervenção do Agente de Execução se limita à realização da penhora?
19. Nunca seria aplicável tal remuneração e respectiva taxa;
20. Importa ainda referir que, os embargos foram improcedentes; Neste sentido,
21. Em consequência da actuação da Agente de Execução, foi prestada a garantia para a quantia exequenda,
juros e custas processuais;
22. Entende a aqui Agente de Execução ser devido o valor correspondente ao êxito calculado de acordo com o que foi efectivamente garantido; Assim,
23. A signatária reitera que a nota apresentada reflecte o apuramento total do julgado efectuado de acordo
com o normativo vigente;
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. Doutamente suprirá, requer-se a V. Exa. se Digne Ordenar
a total improcedência da reclamação apresentada por totalmente infundada;
Mais se requer que seja ordenada a notificação da aqui signatária do Douto despacho que vier a ser proferido.
Pede deferimento”.
2. A executada insurgiu-se contra aquela decisão, tendo interposto recurso da mesma, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que “declare a inexistência do direito da Senhora Agente de Execução ao recebimento dos montantes por si peticionados a título de remuneração adicional e, em consequência, ordene a retificação da nota de honorários e despesas apresentadas”. Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
A. O presente recurso é apresentado da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância que julgou como improcedente a reclamação da nota discriminativa justificativa e, nessa sequência, considerou devido à Senhora Agente de Execução o montante de €52.813,17;
B. Mediante tal decisão, considerou o tribunal de primeira instância que (i) que a Recorrente não teria legitimidade para reclamar da nota discriminativa justificativa apresentada nos autos e que (ii) inexistem erros materiais relevantes na referida nota que importem a sua retificação;
C. Por via de tal decisão, o tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento, porquanto,
D. Através de requerimento apresentado aos autos em 2020.05.06, a Exequente desistiu do pedido formulados nos autos e, nessa sequência, requereu a extinção dos presentes autos de execução, tendo a mesma sido julgada válida por despacho proferido em 2020.05.11,
E. Pelo que, em 2020.05.07, foi a Recorrente notificada da apresentação aos autos pela Senhora Agente de Execução da nota discriminativa justificativa no montante total de €52.813,17, dos quais €42.937,54, a título de remuneração variável,
F. E, informando a Recorrente que teria o prazo de 10 dias para proceder à apresentação da respetiva reclamação;
G. Ainda, em 2020.05.07, procedeu a Senhora Agente de Execução à apresentação de requerimento aos autos onde requereu que não fosse admitida a devolução da garantia bancária entregue pela Recorrente a título de caução, após a concretização da sua citação para pagamento da quantia exequenda ou para apresentação da oposição mediante embargos de executado,
H. Pretendendo, assim, assegurar o pagamento dos honorários a que arroga ter direito através do acionamento da garantia bancária, entregue pela Recorrente à ordem do tribunal;
I. Dispõe o artº. 46º. da Portaria nº. 282/2013, de 29 de Agosto, pode qualquer interessado, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria,
J. Resulta do supra mencionado normativo legal, que tem legitimidade para reclamar da nota discriminativa de despesas e honorários qualquer parte que demonstre ter um interesse atendível na retificação da respetiva nota;
K. Assim, atenta a pretensão manifestada nos autos pela Senhora Agente de Execução, no sentido de ser acionada a garantia bancária apresentada pela Recorrente, com vista à liquidação do valor total da nota por si elaborada, dúvidas não restam quanto à existência por parte da Recorrente de um interesse atendível na sua respetiva retificação,
L. E, sendo, por isso, forçoso concluir pela existência de legitimidade da Recorrente para reclamar da nota discriminativa justificativa em questão;
M. Afirma, ainda, o tribunal de primeira instância que inexistem erros materiais relevantes que importem a retificação da nota apresentada aos autos pela Senhora Agente de Execução, o que não se poderá aceitar, porquanto,
N. Após concretização da citação da Recorrente e consequente apresentação de oposição mediante Embargos de Executado, a Recorrente procedeu à apresentação de requerimento de prestação de caução, através do qual ofereceu-se para entregar uma garantia bancária no valor de €1.305.589,22, o que veio a ser admitido por despacho proferido nos autos em 2018.07.23,
O. Pelo que, após a efetiva apresentação da garantia bancária, foi proferida sentença que julgou a caução como validamente prestada, tendo como consequência a suspensão dos autos de execução;
P. Dispõe o art. 50.º, n.º 5, alínea a), da Portaria nº. 282/2013, de 29 de agosto, que nos processos executivos para pagamento de quantia certa é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função dos montantes recuperados ou garantidos;
Q. A ratio legis da norma em apreço é premiar a eficácia e eficiência do agente de execução na recuperação ou garantia dos créditos cujo pagamento é peticionado, pelo que o direito à remuneração adicional não opera de forma automática, estando dependente do efetivo contributo do agente de execução na recuperação ou garantia da quantia exequenda,
R. Apenas se verificando quando ocorra um nexo de causalidade entre a atuação do agente de execução e a recuperação ou garantia da respetiva quantia exequenda, o que in casu não se verifica
S. Este mesmo entendimento, encontra-se patente na própria Portaria ao afirmar no Anexo VIII que o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 50.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela VIII, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar,
T. Resultando do aludido normativo legal que a remuneração adicional apenas é devida quando a recuperação da quantia tenha ocorrido na sequência de diligências promovidas pelo agente de execução e não sendo devida nas situações, como a que a se verifica nos presentes autos, em que a Recorrente voluntariamente garantiu a dívida exequenda;
U. O critério de atribuição da remuneração ao agente de execução não tem apenas uma dimensão negativa como acentuou o Tribunal a quo – a de apenas não ser devida a remuneração variável quando não haja valores pagos ou garantidos -, mas também uma clara dimensão positiva, apenas devendo ser devida essa remuneração variável quando tenha correspondência na actividade desenvolvida, nomeadamente através da obtenção de pagamentos ou garantias, pelo agente de execução e na própria execução.
V. Caso assim não fosse, admitir-se-ia que a Senhora Agente de Execução lograsse obter, por tal via, o pagamento de um montante manifestamente desproporcional à sua reduzida intervenção nos autos;
W. Que se reduz à citação da aqui Recorrente para pagamento da quantia exequenda ou apresentação da respetiva oposição;
X. Citação essa que não consubstancia um ato exclusivo do processo executivo, sendo, por isso, forçoso concluir que a intervenção própria do agente de execução que se reconduz ao cumprimento coercivo da obrigação ainda não se iniciou;
Y. Refira-se, por fim, que a causa de extinção dos presentes autos foi a desistência do pedido, pelo que nenhum valor foi pago pela Recorrente à Exequente,
Z. Nesta medida, não havendo qualquer pagamento à Exequente não poderá, igualmente, admitir-se o pagamento à Senhora Agente de Execução dos montantes por esta peticionados a título de remuneração adicional;
AA. Ainda para mais, quando tal remuneração é calculada com base na totalidade da quantia exequenda;
BB. Assim, extinguindo-se o processo sem que tenha ocorrido qualquer pagamento, nem tendo a Senhora Agente de Execução concorrido para a prestação da garantia bancária nos autos, não se poderá concluir pela razoabilidade ou proporcionalidade dos montantes a este título peticionados pela Senhora Agente de Execução;
CC. No caso em apreço, tão pouco se poderá considerar como existindo qualquer montante garantido, porquanto na sequência da apresentação do requerimento de desistência da execução e antes de cessada a suspensão do processo, a Exequente expressamente consentiu na devolução e posterior cancelamento da garantia bancária entregue pela Recorrente à ordem do tribunal;
DD. Mais, ter-se-á de concluir pela inconstitucionalidade do artº. 50º., nº. 5, em conjugação com a tabela VIII, da Portaria 282/2013, quando interpretado no sentido de permitir que o agente de execução possa pedir uma remuneração adicional de €42.937,54, quando a sua única atuação foi apenas a citação da Recorrente para pagar ou opor-se à execução mediante a apresentação dos respetivos Embargos de Executado!
EE. Com efeito, uma tal interpretação será inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consignado no art. 2º. da CRP;
FF. Mas não só, porquanto tal interpretação acarretaria igualmente à violação do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, expressamente consagrado no art. 20.º da CRP, porquanto o próprio exequente, em face do custo que poderá ter de suportar com o pagamento ao agente de execução, verá significativa e desproporcionadamente cerceado o seu direito de acesso à justiça sempre que for incerta a existência de bens, cuja penhora e venda possa gerar um produto suficiente para tal pagamento;
GG. Termos em que, incorreu o tribunal a quo num manifesto erro de julgamento ao considerar como corretamente elaborada a nota discriminativa justificativa apresentada nos autos pela Senhora Agente de Execução.
3. A Agente de Execução contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A. A Recorrente é parte ilegítima neste recurso, por não ser parte principal na acção executiva, nem vencida na mesma, por meio da desistência operada em seu favor, e ainda por a decisão recorrida não a prejudicar directa, nem indirectamente, pelo que, não deverá ser admitido o presente recurso.
B. A nota discriminativa apresentada reflete o apuramento total do julgado efetuado no estrito acordo com a Portaria 282/2013 de 29 de Agosto que dispõe no seu artigo 50.º, n.º 5 que “nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) Do valor recuperado ou garantido.”
C. A finalidade da prestação de caução – garantia especial das obrigações regulada nos artigos 623º e seguintes do Código Civil – é a de facultar ao credor um meio através do qual se poderá fazer pagar.
D. A caução garantiu a execução e suspendeu-a até julgamento final do apenso de embargos interpostos pela Recorrente que foram julgados improcedentes, e mesmo assim, esta aceitou aquela decisão, posto que, não interpôs recurso da mesma.
E. A desistência apresentada pela Exequente na acção executiva depois de haver saído vencedora no apenso de embargos e de poder naquela requerer o seu ressarcimento mediante o accionamento da caução, é ineficaz perante a Agente de Execução.
F. O legislador, se assim o tivesse querido, poderia ter estabelecido um tecto máximo de honorários para os Agentes de Execução, conscientemente não o fez, sabendo que poderia haver processos de valor muito elevado, cuja recuperação ocorresse, após a citação e antes da penhora.
4. Admitido o recurso foi o mesmo remetido a esta Relação, onde foi autuado em 29/out./2020, procedendo-se a exame preliminar e cumprindo-se os vistos legais.
5. Não existem questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do recurso.
6. O objeto deste recurso incide no interesse da recorrente para reclamar da nota de honorários e despesas apresentada pela Agente de Execução (a), assim como na elaboração da nota discriminativa de honorários (b).
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II. FUNDAMENTAÇÃO
a) Interesse em reclamar da nota de honorários e despesas apresentada pela Agente de Execução
O Novo Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121 – NCPC ) veio estabelecer no seu artigo 721.º, n.º 1, sendo nosso o negrito, que “Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º.”, aditando-se no n.º 5 que “A nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução da qual não se tenha reclamado, acompanhada da sua notificação pelo agente de execução ao interveniente processual perante o qual se pretende reclamar o pagamento, constitui título executivo”.
Para o efeito, a Portaria n.º 282/2013 de 29/ago. (DR I, n.º 166) veio regulamentar vários aspectos das ações executivas cíveis, sendo um deles a remuneração do agente de execução (artigo 1.º, n.º 1, alínea o)). Nessa específica disciplina e no que concerne à reclamação da nota de honorários e despesas, estabelece no seu artigo 46.º que “Qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria”. Por sua vez, o Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/fev., DR I, n.º 40 – RCP, sucessivamente alterado) a propósito da reforma e reclamação da conta, consagra no seu artigo 31.º, n.º 1, na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13/fev. (DR I, n.º 31), que “A reclamação da conta pode ser apresentada: a) Pelo responsável pelas custas, no prazo de pagamento voluntário, enquanto não o realizar; b) Por qualquer interveniente processual, até 10 dias após o recebimento de quaisquer quantias; c) Pelo Ministério Público, no prazo de 10 dias a contar da notificação do n.º 1.”.
Como se pode constatar no confronto destes dois enunciados normativos, o legislador no âmbito da reclamação da conta de honorários e despesas do agente de execução cível apenas se refere a “qualquer interessado”, enquanto em sede de custas distingue o “responsável pelas custas” de outro “qualquer interveniente processual”. Isto significa que aquele primeiro o critério não será tanto de legitimidade processual, mas antes de interesse processual ou de interesse em agir, o que ocorre quando existe uma necessidade em intervir, de modo a assegurar a tutela jurídica no âmbito da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e despesas apresentada pelo agente de execução. E esse interesse deverá revestir-se de natureza pessoal e económica, na medida em que o pode prejudicar, podendo ser direto ou imediato, por quem tem desde logo a responsabilidade desse pagamento, bem como indireto ou mediato, por quem de modo diferido pode vir a suportar esse mesmo pagamento.
Por sua vez, nas regras gerais sobre os honorários e o reembolso das despesas do agente de execução, consagra-se no artigo 45.º, n.º 1 da Portaria n.º 282/2013 que “Nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado” – sendo nosso o negrito. Como decorre deste último segmento normativo, na ausência de bens penhorados e não ocorrendo pagamento voluntário, a responsabilidade pelo seu pagamento gera dois tipos de relações, sendo uma externa, entre o exequente e o agente de execução, e outra interna, entre o exequente e o executado. Assim, perante o referenciado circunstancialismo objetivo (falta de bens penhorados e de pagamento voluntário) os honorários e as despesas do agente de execução são realizados pelo exequente, o qual tem sempre um direito de regresso relativamente ao executado. Deste modo, temos de concluir que o executado, mesmo quando não é o responsável direto pelo pagamento de tais honorários e despesas do agente de execução, pode ser um responsável mediato por esse pagamento, pelo que tem sempre um interesse processual indireto em reclamar daquela conta de honorários e despesas.
Mais acresce, que neste caso foi prestada uma caução pela executada e que a mesma ainda persiste. A caução constitui uma garantia especial das obrigações, como decorre dos artigos 623.º e 624.º do Código Civil. Quando a mesma é prestada enquanto incidente e no âmbito dos embargos à execução, a sua finalidade preliminar consiste em suster a continuação da ação executiva – cfr. artigo 733.º, n.º 1, al. a) NCPC (Lei n.º 41/2013, de 26/jun., DR I, n.º 121). Mas a sua finalidade última, que decorre da natureza deste instituto de garantia das obrigações, dirige-se ao asseguramento do pagamento da quantia exequenda. E na ação executiva está instituída a regra pelo artigo 541.º do NCPC de que as custas têm primazia na sua satisfação relativamente à quantia exequenda – preceitua-se a propósito neste último normativo de que “As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados”. Não vamos agora discutir se, sob o ponto de vista legal, no caso de as custas serem suportadas pelo exequente, o executado verá afectada a caução por si anteriormente prestada, mas antes sob o ponto de vista do “estado do processo”, porquanto este gera um nítido interesse processual em agir.
No caso em apreço, não existindo bens penhorados e não ocorrendo o pagamento voluntário da quantia exequenda, a executada não tem um interesse direto ou imediato na nota de honorários e despesas do agente de execução, porquanto a responsabilidade legal pelo seu pagamento no âmbito das relações externas está atribuída ao exequente. No entanto, não podemos ignorar, como já referimos anteriormente, que no campo das relações internas o exequente sempre poderá refletir e exigir esse pagamento à executada, pelo que a mesma tem sempre um interesse indireto na reclamação da nota de honorários e despesas apresentadas pela agente de execução. E esse interesse indireto sai reforçado quando se mantém a caução bancária por si prestada, apesar da executada/embargada ter requerido a sua extinção. Aliás, quando tal pretensão ocorreu a Senhora Agente de Execução desde logo informou que as custas não estão pagas. E o sentido útil dessa informação foi alertar o tribunal recorrido para essa situação. Por sua vez, o tribunal não julgou extinta essa caução, mantendo a mesma, pelo que a executada/embargada mantém um interesse processual, pelo menos indireto, na nota de honorários e despesas apresentada pela Agente de Execução, porquanto a garantia bancária da sua caução ainda persiste. Nesta conformidade e nesta parte, o recurso merece provimento.
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b) A elaboração da nota discriminativa de honorários
O Estatuto da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução (Lei n.º 154/2015, de 14/set., DR I, n.º 179 – EOSAE) estabelece no seu artigo 173.º, n.º 1 que “O agente de execução é obrigado a aplicar, na remuneração dos seus serviços, as tarifas aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvida a Ordem”, precisando o seu n.º 2 que “As tarifas previstas no número anterior podem compreender uma parte fixa, estabelecida para determinados tipos de atividade processual, e uma parte variável, dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos com a atuação do agente de execução” – sendo nosso o negrito.
Por sua vez, a Portaria n.º 282/2013 de 29/ago. estatui diversas regras sobre os honorários e o reembolso das despesas do agente de execução, sendo umas gerais e outras específicas. Nas gerais institui-se no artigo 43.º que “O agente de execução tem direito a receber honorários pelos serviços prestados, bem como a ser reembolsado das despesas que realize e que comprove devidamente, nos termos da presente portaria”. Para o efeito devemos ainda convocar o já citado artigo 45.º, o qual para além daquele n.º 1, ainda acrescenta no n.º 2 que “O autor ou exequente que, por sua iniciativa, requeira ao agente de execução a prática de atos não compreendidos na remuneração fixa prevista na tabela do anexo VII da presente portaria é exclusivamente responsável pelo pagamento dos honorários e despesas incorridas com a prática dos mesmos, não podendo reclamar o seu pagamento ao executado exceto quando os atos praticados atinjam efetivamente o seu fim”. No subsequente n.º 3 consagra-se que “No caso previsto na parte final do número anterior, o executado apenas é responsável pelo pagamento dos atos que efetivamente atingiram o seu fim”, aditando o n.º 4 que “O agente de execução que, por sua iniciativa, pratique atos desnecessários, inúteis ou dilatórios, é responsável pelos mesmos, não podendo reclamar a qualquer das partes o pagamento de honorários ou despesas incorridas em virtude da sua prática”.
Nas regras específicas o artigo 50.º estabelece um complexo hexadecágono de segmentos normativos, que podem suscitar algumas reticências em termos de técnica legiferante e provocar alguns engulhos interpretativos, mas que se passa a transcrever, continuando a ser nosso o negrito:
“1 - Sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 a 4, o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários com os limites nela previstos.
2 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que não haja lugar a citação prévia do executado e se verifique após a consulta às bases de dados que não existem bens penhoráveis ou que o executado foi declarado insolvente, caso o exequente desista da instância no prazo de 10 dias contados da notificação do resultado das consultas apenas é devido ao agente de execução o pagamento de 0,75 UC.
3 - Quando o exequente requeira a realização de atos que ultrapassem os limites previstos nos pontos 1 e 2 da tabela do anexo VII da presente portaria, são devidos pelo exequente pela realização dos novos atos os seguintes valores: a) 0,25 UC por citação ou notificação sob forma de citação por via postal, efetivamente concretizada; b) 0,05 UC por notificação por via postal ou citação eletrónica; c) 0,5 UC por ato externo concretizado (designadamente, penhora, citação, afixação de edital, apreensão de bem, assistência a abertura de propostas no tribunal); d) 0,25 UC por ato externo frustrado.
4 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, quando haja lugar à entrega coerciva de bem ao adquirente, o agente de execução tem direito ao pagamento de 1 UC, a suportar pelo adquirente, que poderá reclamar o seu reembolso ao executado.
5 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) Do valor recuperado ou garantido; b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
6 - Para os efeitos do presente artigo, entende -se por: a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
7 - O agente de execução tem ainda direito a receber dos credores reclamantes uma remuneração adicional pelos valores que foram recuperados pelo pagamento ou adjudicação a seu favor.
8 - Em caso de incumprimento do acordo de pagamento em prestações ou do acordo global, a comunicar pelo exequente, o agente de execução elabora a nota discriminativa de honorários e despesas atualizada tendo em consideração o valor efetivamente recuperado, afetando o excesso recebido a título de pagamento de honorários e despesas ao pagamento das quantias que venham a ser devidas, sem prejuízo de, no termo do processo, restituir ao exequente o saldo a que este tenha direito.
9 - O cálculo da remuneração adicional efetua -se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução.
12 - Nos processos executivos para pagamento de quantia certa em que haja lugar a citação prévia, se o executado efetuar o pagamento integral da quantia em dívida até ao termo do prazo para se opor à execução não há lugar ao pagamento de remuneração adicional.
13 - Havendo lugar à sustação da execução nos termos do artigo 794.º do Código de Processo Civil e recuperação de montantes que hajam de ser destinados ao exequente do processo sustado, o agente de execução do processo sustado e o agente de execução do processo onde a venda ocorre devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado nos respetivos processos.
14 - Nos casos de delegação para a prática de ato determinado, e salvo acordo em contrário entre os agentes de execução, o agente de execução delegado tem direito ao pagamento, a efetuar pelo agente de execução delegante, de 0,75 UC por ato externo realizado.
15 - Havendo substituição do agente de execução, que não resulte de falta que lhe seja imputável ou de delegação total do processo, o agente de execução substituído e o substituto devem repartir entre si o valor da remuneração adicional, na proporção do trabalho por cada qual efetivamente realizado no processo.
16 - Em caso de conflito, entre os agentes de execução, na repartição do valor da remuneração adicional, a Câmara dos Solicitadores designa um árbitro para a resolução do mesmo.”
Como decorre deste híper segmentado artigo 50.º, o mesmo distingue entre remuneração fixa (n.º 1 a 4) e uma remuneração variável (n.º 5 a 16), estabelecendo para o efeito diferenciadas regras, cujos valores da prestação remuneratória se concretizam através do Anexo VII (remuneração fixa) e o Anexo VIII (remuneração adicional). Mas qual a razão de ser e o sentido desta distinção?
No preâmbulo da presente Portaria n.º 282/2013, explicita-se que “com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação”.
Para melhor percebermos qual foi o sentido seguido pelo legislador, teremos de destrinçar as modalidades que a remuneração pode assumir, dando particular relevo àquela que se assume como estratégica (Trevor J., “Exploring the strategic potencial of pay: are we expecting too much?”, Working Paper Series, 2/2009, Cambridge University, Judge Business School, 2009). A remuneração fixa ou funcional visa compensar o trabalho de acordo com o ofício desempenhado, independentemente dos resultados, estando os encargos dessa retribuição previamente firmados, caracterizando-se pela sua inflexibilidade. A remuneração variável ocorre em função dos resultados, habilidades ou competências, integrando elementos distintos, havendo uma componente base e uma componente de incentivos, podendo ainda integrar uma componente de benefícios (v.g. seguros de vida, saúde, subsídio de refeições). Por último, podemos ter ainda uma remuneração estratégica, que possibilita uma combinação equilibrada dos distintos modos de remuneração anteriormente assinalados, mas alinhando os mesmos com as finalidades corporativas ou organizacionais, atendendo-se aos proveitos obtidos pelo grupo e não apenas pessoalmente, mas diferenciando a participação individual. E esta assenta nos seguintes pilares: equidade e consistência remuneratória (i), de acordo com as responsabilidades atribuídas e capacidades demonstradas; alinhamento com a estratégia corporativa (ii), permitindo um nível sustentável de desempenho; competitividade (iii), de modo a proporcionar a escolha do mérito; valorização do desempenho em função dos resultados (iv), governação clara e coerente dos procedimentos (v).
Por sua vez, a jurisprudência não tem tido uma posição uniforme sobre a matéria do cálculo dos honorários do agente de execução, apesar de existir um certo consenso no sentido de a sua remuneração adicional realizar-se em função do valor recuperado ou garantido no processo. Assim, numa perspetiva de aparência processual, basta haver uma causa remota e objetiva, que assentaria no valor recuperado ou garantido, para que houvesse lugar a essa remuneração adicional, mesmo que a extinção da execução resultasse de acto individual do devedor (pagamento voluntário), de acto conjunto de credor e devedor (acordo de pagamento) ou mesmo de um acto do próprio credor (desistência da execução) – neste sentido os Acs. TRP de 02/06/2016 (Des. Aristides Rodrigues de Almeida), salvaguardando os eventuais excessos com a inconstitucionalidade do artigo 50.º, n.º 5 da Portaria n.º 282/2013, por violação do princípio da proporcionalidade, de 11/jan./2018 (Des. Paulo Dias da Silva); Acs. TRL de 09/fev./2017 (Des. Esagüy Martins) e 07/nov./2019 (Des. Anabela Calafate). Naquele Ac. do TRL de 09/fev./2017 houve, porém, uma certa deslocação para uma posição menos rígida, ao sustentar que “sendo deduzidos embargos à execução, e tendo embora o embargante prestado caução para obter a suspensão da execução, for na pendência daqueles celebrada transação pela qual o exequente desiste do pedido, desde logo autorizando que fosse libertada a garantia bancária prestada como caução, nenhum valor tendo sido «recuperado», também nenhum valor resultou «garantido», pelo que não há lugar, nesse caso, ao pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução”.
Por sua vez, outra jurisprudência tem estabelecido um critério assente no nexo de causalidade entre a ação do agente de execução (i) e o êxito da execução (ii), mas essencialmente mediante duas leituras distintas. Assim, mediante uma perspetiva de equivalência ou sine qua non, no sentido de que essa atividade do agente de execução tem de ser indispensável e essencial, sustenta-se que havendo uma transação entre as partes, já não havia esse direito a uma remuneração adicional – neste sentido Ac. TRC de 11/abr./2019 (Des. Manuel Capelo), Ac. TRL de 26/set./2019 (Des. Arlindo Crua). Mediante uma perspetiva de relevância executiva, deveria aferir-se se a atividade do agente de execução foi processualmente relevante para a obtenção do resultado final, atendendo-se à sua eficiência e eficácia – neste sentido Ac. TRC de 03/nov./2015 (Des. Maria Domingas Simões); Acs. TRP de 10/jan./2017 (Des. Maria Cecília Agante), de 06/mai./2019 (Des. Jorge Seabra); Ac. TRE de 10/out./2019 (Des. Florbela Moreira Lança); Ac. TRL de 06/fev./2020 (Des. Inês Moura).
Numa variante entre aquela primeira e esta última posição, surgiu ultimamente uma perspetiva de presunção de relevância processual, sustentando que “Desde que tenham sido efectuadas no processo executivo diligências concretizadas no sentido da cobrança coerciva do crédito exequendo, a recuperação que venha a efectuar-se, ainda que por via de acordo entre as partes, deve presumidamente ser tida como ocorrendo na sequência dessa actividade promovida pelo AE” – neste sentido o Ac. TRE de 23/abr./2020 (Des. Albertina Pedroso).
A propósito será de considerar que a remuneração do agente de execução se afasta da concepção tradicional de uma remuneração fixa ou funcional. Aliás, a remuneração acréscimo tem acentuadas similitudes com a remuneração por objetivos. E esta última corresponde a um pagamento variável em função das metas previamente estabelecidas, equivalendo a uma retribuição complementar, que tem em vista compensar as práticas que melhor se ajustam à estratégia desenvolvida. Deste modo, a remuneração acréscimo funciona como um incentivo e simultaneamente como uma recompensa pelos resultados obtidos – veja-se a propósito o Ac. STJ de 12/out./2017 (Cons. Ribeiro Cardoso). E tanto mais ocorrerá se inserir-se na estratégia de uma ação executiva, possibilitando um aumento da retribuição fixa, pelo que a remuneração variável não se pode confundir com aquele outra quanto aos critérios utilizados.
Deste modo e concretizando as normas que estabelecem os honorários do agente de execução, as quais integram uma parte fixa e uma parte variável, esta última está “dependente da consumação dos efeitos ou dos resultados pretendidos” com a sua atuação (artigo 173.º, n.º 2 do EOSAE). Essa remuneração adicional varia em função do valor recuperado ou garantido (a), do momento processual em que tal ocorre (b), da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar (c) (artigo 50.º, n.º 5 da Portaria n.º 282/2013, de 29/ago.). Tudo isto aproxima a remuneração do agente de execução na estratégia assumida em sede de execução e da relevância que a mesma teve nesse contexto, o que nos aproxima da perspetiva de relevância executiva. E esta tem de ser apurada em concreto e não em abstrato e muito menos valorizar indiferenciadamente o que ocorreu no processo (perspetiva de aparência processual), ainda que seja mediante presunções (perspetiva de presunção de relevância processual). E também não pode ser tão indiferente à actividade que foi desenvolvida, mormente se a mesma funcionou como um catalisador ou mesmo como um impulso (nudge) para obtenção da quantia exequenda, mesmo que tenha havido transação ou desistência, ignorando-se toda a ação do agente de execução (perspetiva de equivalência ou sine qua non). O relevante é que a estratégia assumida pelo agente de execução revele meios idóneos para a obtenção dos resultados a favor do exequente, conferindo integridade e consistência à remuneração adicional.
Nesta conformidade, a remuneração adicional do agente de execução ocorre em função da atividade ou diligências por si realizadas ou promovidas para obter a quantia exequenda, surgindo o resultado dessas ações como o requisito indispensável para se obter um prémio retributivo. Daí que seja sempre exigível um nexo de causalidade entre os serviços prestados pelo agente de execução e os proveitos da execução, avaliando-se a relevância ação/resultado e analisando-se o correspondente custo/benefício, de modo a justificar a parte variável dos seus honorários. Assim, estará sempre fora desse âmbito remuneratório extra o resultado ou proveito obtido pelo exequente que seja alheio à atividade desenvolvida pelo agente de execução, em virtude de não ter havido qualquer contributo deste, de um modo direto ou indireto, para a realização da quantia exequenda.
Retomando o caso em apreço, não resulta qualquer atividade da Senhora Agente de Execução que tenha sido vantajosa ou fosse susceptível de o ser para que o exequente tivesse obtido proveitos com a execução. E isto mesmo que este último tivesse desistido do pedido executivo, porquanto tal renúncia à quantia exequenda sempre seria por sua conta e risco, não podendo a Senhora Agente de Execução ser prejudicada na parte variável dos seus honorários. Mas como já referimos, não ocorreu qualquer atividade desta passível de integrar essa remuneração variável. Nesta conformidade, impõe-se a revogação da decisão recorrida.
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Na procedência do recurso e tendo havido oposição por parte da Senhora agente de execução, as custas deste recurso ficam a seu cargo – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 2 NCPC.
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No cumprimento do artigo 663.º, n.º 7 do NCPC, apresenta-se o seguinte sumário:
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III. DECISÃO
Nos termos e fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso interposto pela Executada B… e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida de modo que os honorários da Agente de Execução não integrem a remuneração adicional que foi impugnada recursivamente.

Custas deste recurso a cargo da Senhora Agente de Execução.
Notifique.
Porto, 16 de dezembro de 2020
Joaquim Correia Gomes
António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço